Livros Carentes

Você já adotou um livro hoje?

O dia amanhece tímido no sábado (18) cinzento, que anuncia o outono na próxima semana. O tempo nublado e o centro da cidade, com movimento de ritmo preguiçoso, quase não davam cor à manhã. Odete Panadino, 74, olhou os volumes encantada. Pegou dois livros, abriu um sorriso e falou de um tempo que ela teme não existir mais: o da leitura. Na Barão do Rio Branco, um pano no chão e diversos livros empilhados deram um pouco de cor e alegria a quem foi ao centro. Você já adotou um livro, hoje? É o objetivo do projeto Livros carentes, do psicólogo Ronilço Guerreiro.

‘Livros parados não contam histórias’ dizia ele, enquanto atendia uma pessoa e outra, que, curiosas, pareciam desacreditar que qualquer um pode abaixar, pegar um livro e seguir seu caminho. Ronilço constrói uma ponte de conforto entre as palavras e as pessoas. Ele acredita que as histórias precisam encontrar um lar, e que as pessoas precisam de histórias para sonhar. Foi sonhando com os livros e as palavras que o psicólogo já apareceu até em rede nacional com seus diversos projetos de incentivo a leitura.

Odete sentia-se contemplada. Como se uma época em que fosse mais compreendida voltasse e parasse na calçada da Barão. O cortiço, de Aluísio Azevedo e Dom Casmurro, de Machado de Assis, foram as escolhas dela. “Quando eu estudei, a gente estudava mesmo. Me sinto bem e vejo que ainda existem pessoas que se interessam pela leitura. São grande autores”, pontua ela.

“Afinal o Brasil também tem gente inteligente. Autores populares, autores eruditos. Eu sou do tempo que estudava latim”, lembra ela.

Ronilço não leva as histórias só na Barão. O projeto também está em todos os terminais de ônibus da Capital. “Eu ganho muitos livros, e as pessoas me doavam muito livro e os livros ficavam parados. Livros parados não contam histórias. Aí eu participei do esquenta lá da Regina Casé, conheci o Fábio Porchat, montei uma gibicileta e esse projeto veio para fazer de Campo Grande uma cidade de todos e agora nós temos uma biblioteca em cada terminal também. A intenção é que as pessoas peguem o livro, levem o livro e depois devolvam o livro. Ou traz pra cá, ou dá para uma pessoa”, comenta.

O espaço atrai muitos curiosos, e rapidamente muitas pessoas saem levando os livros. Ronilço vai conversando e entre uma pergunta e outra, ele não deixa de dar atenção, ou mesmo fazer uma resenha de algum volume que tenha ganhado os olhos de alguém.

“Você pega o livro e passa pra frente, tá? O único pagamento é leitura. Você mora onde? No Aerorancho? É só chegar e colocar lá no terminal. Boa leitura pra você, vamos fazer de Campo Grande uma cidade de leitores”, falou ele, para uma jovem do Aero Rancho, que saiu de lá com sorriso rasgando o rosto.

“São livros que melhoram a auto estima, são livros que fazem as pessoas entrarem em um mundo mágico. Você viu aquela senhora? Ou aquela menina em uma caderia de rodas? Os olhos brilham, as pessoas não acreditam que o livro é de graça, porque livro é caro hoje. Tem uma história fantástica que uma menina pegou um livro no terminal bandeirantes e foi fazer um concurso na UCDB. Aí ela pegou o livro no terminal Bandeirantes e pegou outro livro no terminal Julio de Castilho e quando ela foi fazer a prova na UCDB pra professora caiu duas questões dos livros e ela foi convocada, e ela passou. Então, a maior alegria que nós temos é isso”, relata.

O psicólogo ganhou uma fã de Ribas do Rio Pardo, 97 km de Campo Grande. Vanessa Faria, 24, economizou a ida sagrada até as livrarias da Capital. “É muito legal, muito interessante, me surpreendi. Costumo vir para Campo Grande para ver as livrarias”, contou ela.

Provocar o sonho adormecido

Ronilço não acredita que haja menos interesse na leitura. Para ele, há menos incentivo. Além fazer com que os livros sejam levados e contem histórias, ele acredita que o ambiente da cidade deveria ser mais convidativo à leitura.

“Na minha opinião em relação a falta de leitura é porque falta incentivo, por exemplo, na região central, não temos uma biblioteca na região central. Deveria ter na cidade um espaço para leitura, um barteca, por exemplo. Focado na leitura, focado no incentivo a leitura. As pessoas, não é que elas não leem. As pessoas gostam de ler, o que falta é você falar, simplesmente: vamos ler?”

O químico Elias Alves, 46, estava imerso no livro que ele adotou da pilha de carentes. “A evolução da indumentária” conta a história da moda, e, para ele, da sociedade. “Eu achei muito interessante, fiquei entusiasmado e fiquei impressionado o acervo. Isso estimula as pessoas a fazerem o mesmo. No sentido de se apropriarem da ideia, de levarem a frente”, contou ele, animado.

“O livro deveria ser um elogio: você é tão livro. Tem uma frase que fala assim: o livro, por si só, não muda o mundo. Quem mundo o mundo são as pessoas, o livro só vai mudar as pessoas. Provocar a leitura tira as pessoas do comodismo, de achar que outras pessoas podem fazer por eles e nós provocamos no outro um sonho adormecido”, conclui Ronilço.